A convivência humana é uma condição não natural. Preferiríamos ter nossas vontades atendidas e evitar dividir espaço com os outros. Avaliar em quem confiar custa tempo e energia, mas as necessidades de socialização e de proteção mútua que é suscitada pelo medo acabam sendo prementes e nos fazem escolher conviver.
Em 1851, o filósofo alemão Schopenhauer publicou na sua obra Parerga und Paralipomena (Apêndices e Omissões em tradução livre) a parábola do porco espinho. Ela ilustra bem as necessidades e os acordos que demandam confiança para estabelecer a boa convivência em sociedade. E que eu pessoalmente acredito se aplicam para a nossa convivência nas organizações, também.
Grosso modo ela diz que em um inverno duro, uma população de porcos-espinhos começa a se aproximar um do outro buscando calor. Como esperado a aproximação causa machucados em todos e os fazem se afastar. O frio volta a ser mais forte, novamente os espinhos machucam. E neste vai e vem, os porcos-espinhos levam os seus tempos para o aprendizado mas finalmente percebem que existe uma distância ótima para reduzir machucados e ainda ter algum calor compartilhado. Passam a confiar.
Para uma organização funcionar ela precisa que a confiança seja depositada todo dia por cada um dos seus participantes no futuro dela e no seu propósito. Discutimos hoje a questão da forma de trabalho que será a do futuro. Presencial, remoto ou híbrido. E, tenho quase certeza de que uma grande maioria (tenham pensado seriamente ou não no que isso significa) prefere o híbrido ou remoto e abominam o presencial como forma retrógrada e velha. Do outro lado, as empresas reagem e mesmo que sejam obrigadas a adotar (tenham pensado seriamente ou não no que isso significa) o remoto ou híbrido, passam a adotar instrumentos de controle tecnológico que mostram a total falta de confiança nos seus colaboradores (https://t.ly/N8ss) .
Se falta confiança o que fazer? Gastar o tempo para aprender a distância ótima? Deixar isso para lá e contar com a sorte?
A resposta para gastar menos tempo e desenvolver a confiança entra em 2 perspectivas (que devem estar sempre juntas) de ciência e de práxis.
Se do lado científico temos muita informação disponível sob o ponto de vista dos mecanismos fisiológicos, individuais e sociais sobre como a confiança é criada e desenvolvida e de como é o processo. Do lado da práxis teremos a confiança destrinchada em seus elementos constitutivos básicos, seus tipos e o processo para conquistar, reconquistar ou perder a confiança.
Uma amostra de como a perspectiva da ciência pode nos ajudar com a questão de confiança pode ser visto em obras do Dr. Chamorro-Premuzic. Como por exemplo, os 4 indícios que devem manter você alerta sobre ter confiança ou não em alguém.
O primeiro indício é o anseio desesperado por aprovação, reconhecimento e validação. Ou seja, a necessidade quase patológica de aprovação é um indício que o que for dito pode não ser verdadeiro porque precisa desesperadamente do selo exterior de aprovação.
O segundo trata do exagero em comunicar competências. Essa tentativa da “venda” de uma super competência é sempre sinal de autoengano. Autoengano que ajuda se manter calmo para enganar os outros.
Como terceiro indício vem a falta de uma autoconsciência sobre suas capacidades e como quarto fica o diferenciar-se somente por alguma característica que não se origina em mérito ou esforço em direção ao resultado, mas em status e privilégios. Se você se deparar com estes indícios no seu dia a dia, esteja alerta. E fuja.
E da perspectiva prática, fico confortável em usar uma obra que sintetiza este destrinchar da confiança e que é minha leitura de cabeceira a bastante tempo, A Velocidade da Confiança.
Neste livro começa-se definindo 5 ondas crescentes de confiança que partem da autoconfiança, confiança nos relacionamentos, confiança organizacional, confiança no mercado e termina na confiança societária.
A base de tudo é o conceito de credibilidade e suas 4 dimensões. A primeira é a integridade, seguida por intenção, capacidade e resultados.
Integridade é neste caso definida como honestidade, mas também como coerência. Você diz o que faz e faz o que diz e isso desperta confiança nos outros. A intenção apresenta-se como um fator de crescimento da confiança quando nossa agenda é clara, bem comunicada e se fundamenta em benefícios mútuos. A capacidade que aumenta a confiança vem em seguida e engloba os talentos, as formações, o conhecimento, o estilo e as habilidades que transpiram de cada um de nós. E, finalmente os resultados, na verdade eu acrescento bons resultados aparecem como fator de aumento de geração de confiança nos outros.
Se individualmente estas dimensões ajudarão a desenvolver ou não a confiança em alguém, podemos extrapolar o mesmo para retornarmos ao tema inicial de confiança nas organizações.
Perguntando todos os dias se nossa organização tem integridade com suas estruturas e sistemas alinhadas com respeito, confiança e honestidade internamente e externamente. Continuando com o questionamento se a organização tem a intenção expressa em uma agenda com um propósito de benefício mútuo e não só de aproveitar das competências das pessoas, dos recursos do ambiente até atingir o nível máximo de desempenho via a depredação. Se ela tem a capacidade interna expressa nas competências de seus colaboradores para cumprir o seu propósito e o mais óbvio, se ela produz os resultados a que se propôs – bons resultados, diga-se de passagem.
Finalizo convidando todos à reflexão de quanto a sua organização desenvolveu a confiança de seus stakeholders e o que ela está fazendo para também neste aspecto atingir a excelência.
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