A tendência persistente ao trazer soluções para os problemas de uma organização é usar o que deu certo algum dia, aproveitar o senso comum e rapidamente aplicar a receita de sucesso.
Normalmente uma hierarquia preocupada com o resultado de curto prazo e uma consultoria preocupada em gerar negócios usará deste estratagema com todas as suas forças. Por exemplo a estratégia de redução de custo que se vê em 3 de cada 4 ações “estratégicas” que vemos por aí nas organizações, dos outros, é claro.
Reduzir custo é apelativo aos nossos sentidos e acho que até ao nosso cérebro primitivo reptiliano. Funciona. E considerando outras soluções, reduzir custos é fácil de entender e fácil de aplicar. Reduzo custo, aumento o lucro porque grosso modo LUCRO é sempre IGUAL a RECEITA menos CUSTO.
Então, vêm as perguntas de sempre sobre como reduzo custos e como aplico esta fórmula vencedora em minha organização.
E aquelas hierarquia e consultorias lá de cima trazem as respostas.
Primeiro vamos ver o que o cliente quer e reduzimos o custo retirando características que o nosso produto têm e o cliente não quer. Invariavelmente a cobiça vai obscurecer o que o cliente realmente quer em face de quanto vamos reduzir. Pesquisas sobre o que o cliente quer não são isentas, principalmente se quem trouxer os dados estiver mais interessado na redução do custo que no cliente.
Prossigamos e agora vamos em direção às matérias-primas e processos. Sempre tem uma alternativa mais barata e querendo acreditar em milagres se vai em direção ao “quase ninguém nota” e poderemos fazer o mesmo produto com custos reduzidos. O cliente não percebe é o mantra até que o cliente perceba e a organização que já gastou para mudar matérias-primas e processos vai ter que gastar para voltar ao estado inicial.
Passa-se então a flexibilizar os indicadores de qualidade de toda o percurso da experiência cliente. Indicadores de qualidade mais “flexíveis” sempre acarretam redução do custo. E toda a engenharia de produto, processo, as pesquisas e tudo o mais que trouxe a organização até aqui e foi utilizado para chegar àqueles indicadores é literalmente jogado fora. Somente com a chegada dos problemas se descobre o porquê da aparente rigidez de alguns indicadores.
Como o poço das boas ideias é inesgotável, prossigamos e agora vamos reduzir as equipes. Temos muita gente e os indicadores de benchmarking mostram que outras organizações (normalmente em outros contextos e às vezes até em outros segmentos) são melhores. Menos gente significa menos custo. E podemos até aprofundar esta ideia e cortar os que estão aqui a mais tempo e contratar sangue novo bom e barato. Ninguém examinando friamente esta decisão vai poder dizer que usar indicadores estranhos à sua cultura e juniorizar sua mão-de-obra irá trazer excelência. E assim a saga de redução de custo tem seu ápice.
Se por outro lado, você estiver interessado em racionalizar custos a conversa é outra.
Gasta-se mais tempo e energia com a pesquisa sobre como sair da situação atual para chegar a uma situação melhor. Conscientes que a única vitória deve ser um jogo de ganha-ganha de soluções. Ganha a organização, ganha o cliente. Se isso não é atendido descarta-se a nova solução. Pesquisas serão sobre as características do produto ou serviço atuais e o que pode ser racionalizado. Pesquisa-se sobre as matérias-primas atuais e o que pode ser racionalmente modificado. Pesquisa-se sobre os indicadores de qualidade e como eles podem ser aprimorados racionalmente sem deixar o cliente em segundo plano. E finalmente olho para meus colaboradores como pessoas e não como mão-de-obra e racionalmente examino onde eles podem ser melhores e ter seus talentos utilizados para o crescimento da empresa e para o crescimento pessoal em prol do cliente. Tudo isso vai reduzir o custo de forma perene e colocar a organização no caminho da excelência.
Olhando rapidamente a diferença entre a redução do custo e a racionalização - e sacrificando a profundidade em detrimento da rapidez - fará com que muitos digam que é tudo igual. E que é só um exercício de retórica: reduzir versus racionalizar. Infelizmente não é tudo igual.
As diferenças entre as 2 abordagens não terão consequências no primeiro momento e você até se enganará achando que está no caminho correto. Usando minha zoo-filosofia digo que é aqui que “a porca torce o rabo” e com o tempo as consequências virão.
A mais palpável das consequências será a sua concessão para que seus concorrentes invadam seu mercado e seus clientes deixem a fidelidade de lado e debandem para o outro lado ao sabor do vento. A consequência menos palpável e a pior de todas é a criação de uma cultura de redução de custo na sua organização.
E por que isso seria ruim?
Explico: Uma cultura de redução de custo é um convite para se criar um ninho de incompetentes que dominarão todos os cantos de sua empresa. Ela é facilmente implementada e por isso mesmo não exige muito de ninguém em termos de raciocínio ou de pensamento estratégico. Reduzir é cortar. E até mesmo gente incapaz e incompetente consegue fazê-lo rapidamente. E como o foco destes tipos é o curto prazo - de preferência o curtíssimo para dar tempo de tomar os louros e gozar dos resultados antes das bombas estourarem – a redução de custo reinará absoluta. Tudo passará pelo crivo de custo reduzido, até o que não deve e não pode. Talentos serão perdidos, inovações serão abandonadas, oportunidades serão perdidas e os mercados serão entregues.
Então antes que este ninho se instale e produza mais incompetentes do que sua organização pode suportar, opte pela racionalização de custos e abomine a redução de custos.
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